O tenente Luiz Henrique Vojciechovski, chefe de Operações Terrestres do Grupo de Operações de Socorro Tático (GOST) do Corpo de Bombeiros do Paraná, recorda com carinho de um bilhete de quatro linhas deixado pela população de Brumadinho no painel de uma viatura ao final de um dia de busca intensa no mar de lama e rejeitos que cobriu a cidade mineira em janeiro. “Obrigada pela coragem e bravura! Nosso coração está com os bombeiros!”, dizia.
Vojciechovski foi um dos primeiros paranaenses a pousar em Minas Gerais para auxiliar as forças de segurança locais no resgate às vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão. A missão da equipe era localizar e alçar os corpos em um dos times de intervenção, como eram chamados os agrupamentos dos voos rasantes de helicópteros.
Por determinação do governador Carlos Massa Ratinho Junior, o Paraná foi um dos primeiros estados do país a prestar apoio técnico e operacional para mitigar as consequências da tragédia que sacudiu o país. Essa equipe do Corpo de Bombeiros (composta ainda pelo sargento Guilherme Berwanger e pelo capitão Daniel Lorenzetto), a perita criminal Patrícia Doubas Cancelier, da Polícia Científica do Paraná, dois agentes da Defesa Civil e uma geóloga da UFPR estiveram na linha de frente do resgate na primeira semana do rompimento.
Com o passar dos dias, o Paraná mandou novas equipes dos bombeiros (ao todo, 20 já estiveram em Minas Gerais), a cadela Brida, reconhecida nacional e internacionalmente no resgate de pessoas, e um helicóptero. No total, a operação conjunta dos estados logo após a acidente integrou 17 aeronaves, mais de 300 bombeiros e 12 cães.
A violência do vazamento de lama e rejeitos foi comparada por especialistas que acompanharam a tragédia a um atropelamento de um carro a 70 km/h. A Defesa Civil de Minas Gerais estima 169 mortos e 141 desaparecidos em balanço divulgado nesta segunda-feira (18).
O tenente Luiz Henrique Vojciechovski é especialista em resgate em deslizamentos de terra, em estruturas colapsadas e em atendimento com produtos perigosos. Nessa entrevista, ele conta um pouco mais sobre a sua experiência na tragédia de Brumadinho, pouco antes de retornar a Minas Gerais para continuar a ajuda.
Como as equipes se dividiam em Brumadinho?
As equipes de bombeiros eram divididas de três formas distintas, mas partiam da mesma base, que era a do Córrego do Feijão. Havia equipes de busca ativa, de solo e de intervenção. As buscas tinham o auxílio de cães e se concentravam em lugares pré-determinados onde havia maior probabilidade de encontrar vítimas. Essa foi a realidade dos primeiros dias. Nós do Paraná fomos encaminhados como observadores para ver de que forma poderíamos auxiliar as guarnições de Minas Gerais, mas acabamos integrando as equipes de intervenção rápida. As aeronaves faziam voos rasantes para fazer identificação, recuperar as vítimas. Nós partíamos do posto avançado e quando identificávamos o local descíamos munidos de ferramentas como enxadas e pás, além de tapumes para aumentar a área de trabalho sobre a lama. Fazíamos a extração dos corpos e a busca superficial no terreno. Por vezes as equipes de intervenção também atuavam com cães.
Os bombeiros construíram um sistema de sinalização com estacas. Como funcionava?
Com a constatação de vários corpos ou fragmentos nos sobrevoos era possível sinalizar os locais para outras equipes de intervenção. Nós tínhamos uns tubos de PVC de 2,5 metros que usávamos para colocar na lama para sinalizar a localização das vítimas. Quem realizava busca com cães também usava e as aeronaves conseguiam localizar.
Qual foi o tamanho da violência do impacto sobre as pessoas?
O Centro de Apoio Científico em Desastres (CENACID), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez um estudo do caminho da lama e rejeitos para apresentar para as forças de Minas Gerais. Eles estimaram que o movimento da onda chegou a 70 km/h em alguns momentos.
Como estavam os corpos das vítimas?
Nossa equipe viveu a experiência de retirada de mais fragmentos de corpos do que corpos inteiros. Mas variou muito de acordo com os locais em que as equipes atuavam. Nas áreas de maior concentração de pessoas, como o alojamento e o refeitório, havia mais corpos inteiros.
A qual tipo de risco vocês foram submetidos nesse resgate?
Existia possibilidade de contaminação por hepatite, leptospirose, HIV. Além disso as águas estavam contaminadas com os metais pesados do rejeito de mineração, ou seja, havia o risco de ingestão. Também o risco de trabalhar em estruturas colapsadas, veículos retorcidos, e de atolamento. Havia riscos agregados de outras duas barragens próximas da área do desastre, desidratação e umas formações climáticas muito rápidas. Teve um momento da operação em campo em que caiu granizo. Todas as equipes também enfrentaram chuva intensa e raios. Uma equipe de São Paulo chegou a ser atingida por um raio. Sentiram os efeitos, mas não se machucaram.
Qual foi a sua primeira impressão na chegada?
A se destacar a estrutura organizada pelos agentes de Minas Gerais e a sinergia com as diversas agências que participavam da operação. Havia um posto de comando, uma rede neural do desastre. Depois, quando fomos para o posto avançado, o cenário era de guerra. Uma operação de guerra por conta do número de vítimas e de aeronaves chegando e saindo. A prioridade número zero de todos era a recuperação das vítimas, vivas ou mortas.
Alguma situação específica te marcou pessoalmente?
Teve uma situação em particular dentre as várias coisas que marcam um desastre. Marcou a equipe porque foi uma atitude muito simples. Foi quando encontramos um bilhete de quatro linhas no painel da viatura ao final de um dia de trabalho. Provavelmente da população local. Um recado ao qual não estávamos preparados. Um obrigado. E a outra foi o trabalho entre as agências, saber que agimos pelo caminho certo com muita capacidade de resposta. Não queremos que aconteça em nosso Estado, mas mostra o quão preparados estamos para enfrentar esse tipo de situação.
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(Via Banda B)