A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizou uma reunião emergencial para contornar o acirramento de divergências políticas e evitar uma ruptura no clero. O encontro, na terça-feira, dia 9, foi convocado após o Estadão revelar a oferta de apoio ao governo Jair Bolsonaro, vinda de dirigentes rádios e TVs de inspiração católica. Em troca, padres e leigos pediram ao presidente a ampliação do alcance de suas redes de radiodifusão, além de verbas, na forma de publicidade estatal.
O chamado para a reunião episcopal partiu do presidente da CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, e do bispo referencial da Pastoral da Comunicação, Dom Joaquim Mol. Eles conversaram, frente a frente, pela internet, com os bispos das dioceses cujos sacerdotes haviam participado da audiência com Bolsonaro: Campinas, Curitiba, Goiânia e São Paulo. Na conversa, “olho no olho”, descrita como “límpida e sincera”, mais uma vez surgiram manifestações divergentes, indício do potencial de conflito no episcopado, mas os bispos tentaram superar os desentendimentos, segundo fontes.
Os padres fizerem chegar à CNBB que não esperavam tamanha reação e que foram alvos de insultos nas redes sociais. Temiam ter suas atividades prejudicadas. A tensão aumentou depois das manifestações de repúdio emanadas por diversos segmentos do clero, entre eles a própria conferência. De perfil moderado, d. Walmor agiu apaziguar as animosidades.
O bispo de Itacoatiara (AM), Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, foi um dos que cobrou publicamente punição aos envolvidos. Ele disse ter reagido com as seguintes palavras ao tomar conhecimento do teor da conversa entre sacerdotes e Bolsonaro: “Vergonhoso. Mercenários”. Para o prelado, os padres se “venderam” ao governo e fizeram da fé católica um “mercado”, ao pedir dinheiro e prometer apoio ao governo. “Espero que os padres desobedientes sejam religiosamente corrigidos, se retratem ou que se tomem outras providências”, escreveu d. Ionilton, vice-presidente da Comissão Pastoral da Terra.
O descontentamento no clero agravou-se no início desta semana, quando o arcebispo de Curitiba (PR), Dom José Antônio Peruzzo, contrariou publicamente a CNBB, ao defender os pedidos do padre Reginaldo Manzotti, um ícone pop da Igreja, a Bolsonaro. Em nome de todas as redes católicas, Manzotti cobrou do presidente a ampliação e mais agilidade nas autorizações de funcionamento de rádios e TVs ligadas à Igreja, as quais, segundo o sacerdote, desejavam “caminhar junto” ao governo. Ele pediu para apresentar uma proposta de comunicação “isenta e positiva” e destacou que Bolsonaro sabe o peso da “mídia negativa”. Por meio de nota, a conferência classificou o teor da conversa presidencial como “barganha” e se dissera “indignada”. Para d. Peruzzo, a CNBB foi “infeliz e “detrativa”.
Dom Peruzzo argumentou que, mesmo em ambientes coesos e harmônicos, ocorrem mal entendidos. “As amarguras fazem parte dos ambientes mais nobres e o perdão também. A reconciliação é parte da fé que professamos”, disse, em um programa de rádio e TV do padre Manzotti, na quarta-feira, 10. “Embora irmãos vivam a fraternidade, às vezes surgem diferenças e divergências. Não foi conflito, foram diferenças marcadas por mal entendidos involuntários. Há quem queira dizer que há rupturas internas na CNBB. Não houve nada disso.”
Os bispos cogitaram passar a submeter ao crivo da CNBB os convites para audiências no governo, mas desistiram de impor um aval porque a conferência não possui autoridade eclesial para enquadrar os controladores das rádios e TVs de inspiração católica – nem sequer as dioceses, hierarquicamente subordinadas ao Vaticano. Coube ao arcebispo de Curitiba relevar a proposta de intervenção no diálogo de religiosos católicos com o governo. “Houve até algumas proposições quando surgirem convites dessa natureza de que conversemos para evitar mal entendidos, mas não há, por parte da CNBB, muito menos do setor de comunicações (Pascom), qualquer intenção de neutralizar, restringir ou criar resistências à atuação das TVs católicas e rádios. E essas também não estão em linha de ruptura com a CNBB, nem de longe”, disse.
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Apesar de os bispos terem pedido desculpas de lado a lado, o assunto pode não estar ainda pacificado. Setores da Igreja têm se manifestado de forma antagônica entre si. No mesmo dia da reunião dos bispos, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a Conferência Nacional dos Institutos Seculares e o Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara expressaram “total e irrestrita” concordância com a CNBB.
“Repudiamos, veementemente, qualquer atividade religiosa que ousa comercializar a fé, principalmente quando eventuais negócios se realizam com promotores de políticas que produzem a morte (necropolítica)”, escreveram os colegiados. “Consideramos melhor uma Igreja pobre e verdadeira do que preocupada em negociações de verbas publicitárias e outorgas de concessão pública.” As quatros entidades afirmaram “não reconhecer” a representatividade da Frente Parlamentar Católica na Câmara dos Deputados, que intermediou a videoconferência com o Palácio do Planalto.
A cúpula da frente é formada pelos deputados Francisco Jr (PSD-GO), Eros Biondini (PROS-MG) e Diego Garcia(Podemos-PR), todos da base governista e ícones do Ministério Fé e Política da Renovação Carismática Católica, um movimento de leigos conservadores que tomou posições historicamente opostas aos progressistas do clero. A RCC disse não possuir “tendências político-partidárias” e afirmou que não teve interesses apresentados na reunião presidencial. O movimento afirma que os deputados “agem em nome próprio”.
“Qualquer alusão a uma desvinculação da RCC com a CNBB é um absurdo e não coaduna minimamente com a verdade”, disse a renovação, em nota. Os deputados também negaram divergências com a CNBB e argumentaram que o apoio ao presidente não foi “condicionado” ao atendimento das demandas religiosas.
Já as solicitações do padre Eduardo Dougherty, da TV Século21, um jesuíta precursor da renovação carismática no País, fizeram a Província dos Jesuítas do Brasil lamentar o ocorrido. Ele apelou pela emissão de um passaporte e pediu ao governo que o recebesse para apresentar tecnologias e investidores estrangeiros. A entidade afirmou não estar institucionalmente representada e que o padre Eduardo participou por “interesse próprio”.
A Comunidade Aliança de Misericórdia disse que seu fundador, padre João Henrique Porcu, expressou-se sobre conteúdo “espiritual”. O padre sugeriu ao presidente que fosse mais atuante na Igreja e afirmou que ambos enfrentam “batalhas” comuns. Ele foi o único religioso a não levar demandas explícitas ao presidente.
Via:Bem Paraná
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